j.m.

Eu cresci muito rebelde. Eu sempre botei muito a culpa na minha mãe.

Sempre falei: “ah, se ela tivesse aqui, talvez eu não fosse assim”. E eu fugi de casa, com 12 ou 13 anos de idade. Fui pra casa de um namoradinho, a primeira vez eu fugi pra perto. Fiquei três dias fora de casa. Aí minha vó descobriu, aí eu tive que voltar.

Na segunda vez que eu fugi, eu morava no interior do Ceará. Eu morei lá um tempo, com a minha vó materna, eu fugi porque ela e meu avô me prendiam muito. E eu achava, eu sempre falava isso: “se a minha mãe tivesse aqui, talvez ela não me prendesse assim. Ela me deixaria ir na praça, ela me deixaria sair com os meus amigos e vocês são chatos, vocês não me deixam sair.” Aí a minha avó até chorava, às vezes, chateada. Aí eu peguei e fugi, só que eu não fugi pra perto, fugi pra capital, Fortaleza. Sem conhecer ninguém, fui tentar a sorte.

Cheguei lá com 13 anos, ia fazer 14. Tinha um colega da minha amiga, que ele viajava pra Fortaleza a serviço, eu falei pra ele que eu tinha que ir pra Fortaleza. Aí ele acabou me levando. Chegou lá, eu fiquei perdida, eu não sabia o que fazer, eu não conhecia ninguém. Aí eu conheci a Maria. Ela morava com a mãe e um filho de 5 anos. Ela me ajudou e eu morei um bom tempo com ela. Aí eu fiquei com saudade e eu voltei pra ver minha vó. Minha avó ficou muito feliz quando me viu, porque ela não tinha notícia nenhuma de mim. Ela fez boletim de ocorrência achando que eu tinha morrido, alguma coisa do tipo. Eu fiquei quase um ano fora.

Eu botava muita culpa na minha mãe, entendeu? Meu pai também não era muito presente, mas tava lá. Ele era muito rígido comigo, por ser militar.

Aí com 15 anos eu falei pra minha vó e pro meu pai: “pai e vó, eu quero voltar pro Rio. Foi lá que eu nasci e quero viver a minha vida lá. Não quero ficar aqui não, aqui não tem emprego bom. Aqui eu não gosto das pessoas a não ser vocês. Eu não me vejo aqui. Eu quero ir embora.”

Eu tenho uma tia, uma tia não, eu tenho várias tias que moram no Rio. Aí meu pai ligou pra ela e perguntou se eu podia ir morar com ela. E ela falou que eu podia, entendeu? Eu fiquei morando com ela.

Aí com 15 anos de idade eu conheci meu ex-marido.

Com 15 anos eu conheci ele, ele era policial. Ele tinha 28 anos e eu tinha 15, a gente começou a ficar, namorar. E a gente namorando e eu lá. Aí eu arrumei as minhas coisas e fui pra casa dele.

Com 2 ou 3 meses de namoro eu descobri que ele tinha uma outra namorada, que ele me traia com outra pessoa. Aí tipo, ele falava pra mim que ia viajar pra trabalhar e na verdade não, ele ia pra encontrar com a garota. Eu descobri isso e fiquei com muita raiva. Aí eu liguei pra ela e falei com ela. Aí, por causa disso ele me bateu.

Foi a primeira vez que ele me bateu, me bateu forte, bem forte. Eu fiquei toda roxa.

Aí tudo bem, ele me pediu desculpa, falou que não ia mais ter contato nenhum com ela, e eu acreditei. Mas aí, ele começou a ir trabalhar e chegar nervoso em casa, chegar estressado, alterado, qualquer coisa que eu falava era motivo de briga. Aí teve um dia que ele chegou com a mão toda machucada do soco inglês. Ele botou um negócio na mão pra bater e chegou com a mão toda cortada. Aí eu falei: “vem cá, deixa eu limpar a sua mão”. Aí ele: “sai daqui”. Aí ele tava tão cansado que deitou, ficou deitado e dormiu. Aí eu peguei o soro e algodão pra limpar. Aí ele acordou, me empurrou e jogou no chão, e me deu dois chutes na costela.

Eu tenho duas costelas quebradas por causa disso e foi só continuando, continuando.

Eu tenho platina no dedo do pé, ele me pisou, quebrou o osso, eu tive que botar platina. Ele me sentou uma prancha de cabelo ligada uma hora, por ciúmes. Eu tenho a marca na perna. Ele me deu coronhada na cabeça.

 

Ele é um desgraçado e desgraçou a minha vida, entendeu?

Se eu tenho medo? tenho sim. Quando ele foi preso ele falou pra mim que ia até o inferno atrás de mim, podia passar o tempo que for, que eu sabia que ele era maluco e que ele ia atrás de mim.

E ele é tão bonito, tão bonito.

Eu falava com ele: “você não vai a lugar nenhum agindo assim, me batendo, você só vai piorar sua vida e você não vai ganhar nada matando ninguém na favela, a não ser que seja pra se proteger, mas matar injustamente, isso não vai te levar pra frente”. Aí ele: “ah, você tá ficando maluca”. Aí eu: “eu não tô, você tá, você tá ficando maluco”. Aí ele ficava chateado comigo. Mas eu tenho muito medo sim, dele sair e de fazer mal ao meu atual esposo, porque ele é louco.

Ele podia até me amar, ele falava que me amava, mas ele me amava numa forma diferente, que ele gostava de bater, ele achava que eu era propriedade dele.

 

Retrato Falado · J.M. 02

Eu voltei a morar com a minha tia, aí eu conheci o meu segundo marido.

Aí a gente começou a namorar, aí ele pediu minha mão em casamento. A gente casou no civil e passou a morar junto, entendeu? E aí, isso! Tipo, eu tô aqui, eu posso até ter cometido um erro de estar com a pessoa errada, no momento errado, na hora errada, e com coisa errada, mas eu não fiz nada.

Tipo, ontem eu completei 2 meses aqui, eu tô com medo de pegar mais tempo, entendeu? de perder o meu marido. Eu acho que eu não vou perder porque ele me ama e se fosse pra ele não tá comigo, ele nem viria me ver, não se sujeitaria a isso, por que é humilhante. Mas ele tá aí comigo, mas eu tenho muito medo de perder ele, porque assim, eu não tenho mãe, eu tenho um tio, mas não é a mesma coisa, eu só tenho ele, ele é a minha família. Eu só tenho ele, entendeu? Eu tenho meu pai, eu tenho minha avó no nordeste, mas meu pai teve AVC há pouco tempo, mas não é a mesma coisa.

Eu tenho medo que isso aqui acabe destruindo o que eu já construí, entendeu? Mas é isso, assim, eu tenho que passar por isso. Se é uma vontade de Deus também, eu vou conseguir, eu vou ficar aqui tranquila, cumprir a minha medida, entendeu? Sem alteração, até porque eu sou maior de idade, eu não posso fazer nada contra essas meninas menores, que senão responde. Então é isso. Eu tô evitando ao máximo de me estressar, porque às vezes eu fico com muita raiva, porque é muito chato você ficar presa. É muito chato você ter que ficar em quatro paredes o tempo todo, olhando para as paredes. Você tem que andar com a mão pra trás, com a cabeça baixa. Então não é legal isso, entendeu? Eu acho que se esses funcionários passassem um dia o que a gente passa todo dia eles não iriam aguentar, entendeu? E, é isso, vou completar 20 anos e aqui dentro talvez.

 

Eu acho que o momento que marcou a minha vida foi o primeiro beijo, entre mim e meu atual esposo.

É uma coisa que eu não esperava, uma coisa que eu não podia explicar.

Eu amava muito o meu ex-marido, mesmo ele fazendo essas maldades comigo. Eu amava ele, por que era um amor de início. Eu amava muito ele, eu achava que eu nunca mais ia amar alguém, como eu amava ele. Mas eu tinha que esquecer ele, porque ele só fez mal na minha vida. Mas aí, a partir do momento que eu conheci o meu esposo de agora e ele me beijou, nossa!! mudou totalmente a minha visão, mudou a minha vida. Eu comecei a enxergar as coisas de outra maneira, mas com medo ainda. Mas depois que eu vi que ele não era uma pessoa de índole ruim, que tinha índole boa, que já foi casado, já teve filhos, já é uma pessoa madura, aí eu comecei a me entregar mais pra ele. E é assim até hoje. Ele é a melhor parte de mim. E ele fala a mesma coisa pra mim.

Tipo, a melhor coisa que eu fiz foi ter me casado com ele.

 

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