a.s.

Acho que se meu pai fosse vivo hoje em dia eu não taria nessa vida, acho que eu taria noutra vida bem melhor que essa hoje em dia. Isso tudo que eu tô passando, acho que foi por causa disso daí.

E também minha mãe criou três filho só ela, coisa muito difícil pra ela também, né?  Eu e meu irmão no tráfico... negócio é fogo. Mas agora não quero mais isso pra minha vida não, quero outra coisa pra minha vida, quero ser trabalhador, honestamente vou procurar um trabalho mesmo, ficar tranquilo mesmo.

Minha infância com a minha mãe, tipo, brigava muito com ela, por causa que ela mandava eu parar de fazer as coisas e eu fazia de teimosia. Mas agora eu parei, quando ela fala “filho, faz isso filho”, pegava e fazia. Agora tô entendendo ela, porque olha onde eu vim parar? na cadeia. Já é minha segunda cadeia agora, já entendi quando ela fala. Também ela tá sofrendo muito, não quero que ela sofra mais, já tá na idade já.

Minha mãe trabalha. No começo ela trabalhava com faxina no maracanã. Ela também me levou pra trabalhar lá, aí eu trabalhei uns 3 dias. Bateu fiscalização, aí eu fiquei sem trabalhar, que eu era de menor. Eu procurei outro trabalho na casa de material de construção e assim foi, né? A vida toda, sempre gostei de trabalhar, não sei que deu na minha cabeça, que eu mudei minha cabeça de uma hora pra outra.

Eu já trabalhei de mecânico, de borracheiro, de servente de pedreiro; ganhava 30, 40 reais, mas ficava satisfeito, que era dinheiro limpo, não era dinheiro sujo, dinheiro fácil de roubo, esses negócio. Pegava ia pro fliperama, bala hauss... minha vida foi começando aí. Depois eu fui começando no pavio do crime, aí foi onde que fui parar.

Quando eu sair daqui eu vou ficar tranquilo mesmo. Minha mãe trabalha de gerente de camelô, vou trabalhar com ela. Meu padrasto falou que vai me dar uma moto pra eu ficar tranquilo.

Hoje em dia eu tô aqui, eu tô preso. Mas amanhã eu posso, se eu for entrar nessa vida aí de novo, posso tá morto; posso fazer minha mãe chorar bem mais, posso fazer minha mãe sentir bem mais dor. Prefiro como, ficar tranquilo mesmo. 

Ah, tipo assim, quando eu sai daqui eu vou ser livre,

vou ser o que eu quiser, voltar pro tráfico, vou poder voltar. Se eu quiser voltar a fazer nada vou poder, mas sendo que eu não vou querer isso, vou querer ser uma pessoa honesta, vou querer ser trabalhador muito livre. Aqui dentro nós tá privado, não pode fazer o que nós quer, nós é controlado pelos agente aqui entendeu? Se nós quiser ir no banheiro, tem que pedir pros cara, se nós quiser ir ali jogar uma bola, tem que ser no dia que os cara quer. Na rua não, se nós quiser jogar uma bola, vai poder qualquer hora, qualquer dia, se nós quiser ir no banheiro nós vai, não tem que pedir pra ninguém, aqui dentro não.

 

Que me faz feliz mesmo?

Eu fiz muitas coisas boa com meu irmão de 22 ano. Ele tá preso agora. Nós queria morar junto, nosso plano foi sempre esse, morar junto, mas nunca nós conseguimo. Meu irmão também me botou muita coisa boa na cabeça. Ensinou muitas coisa, tipo, a trabalhar. Também, de uma hora pra outra, ele mudou a cabeça, a mente. Peguei, mudei a mente também, por causa dele. Pô, muitas coisas!

Direto brigava com meu irmão na minha infância, só sabia brigar. Engraçado que todo dia nós brigava. Era pra dormir, era pra fazer qualquer coisa, sempre nós brigava, direto, direto. Mínima coisa nós brigava, brigava, brigava, também quando eu ia pra rua jogar bola, brincar, quando os outro me batia, voltava pra casa chorando, meu irmão falava: “ah, tu não vai aceitar não”, e me metia a porrada. “Agora tu vai aprender quando neguinho te bater, na hora tu também vai bater, não vai levar desaforo pra casa.” Brigava com meu irmão, brigava com a minha irmã, me davam porrada, dava porrada nela, e assim ficava. Teve uma vez que até deixei o olho da minha irmã roxo.

Também levei 10 ponto da pedrada que meu irmão deu na minha cabeça. Tipo, nos tava brincando de guerrinha, guerrinha de pedra mesmo, eu e meu irmão. Parece que eu e meu irmão nós somo maluco. Eu tava lá em baixo, na casa da minha tia, atrás do muro, e ele também. Eu peguei a pedra e taquei, aí não pegou, pegou tipo na pilastra. Aí ele veio, pegou, tacou. Passou do meu lado. Eu: “caraca! quase pegou em mim”. Depois eu taquei de novo, aí pegou uma na perna dele, tipo, cortou ele um pouquinho. Nisso ele tacou outra, nessa que ele tacou a outra pegou na minha cabeça, aí abriu, aí ele sossegou, eu falei: “qual foi muleque? machucou, pá”. Aí eu peguei fui pro hospital de novo, tomei ponto de novo.

Eu tenho muito sonho pesado.

Já sonhei que tavam me esperando com a faca pra me matar. Sonho pesado. Tipo assim, já fiz muitas coisa com alemão, então esses sonho pesado deve vir de dentro desse negócio. Entendeu?

Tá bom pra mim, quero mais isso pra mim não. Hoje em dia eu peço muito perdão a Deus, pra Deus me perdoar por todo pecado que eu cometi. Mas tem hora que eu paro e penso e falo: “pô, mas não tem como Deus me perdoa por causa disso, ele pode até me perdoar, mas em mim mesmo não vai ter como, cara. Vai tá marcado aquele negócio que eu fiz ali. Vai tá marcado, não vai desmarcar aquele negócio. Vai ter, que nem uma mancha, vai ficar ali para sempre, aquela mancha.”

Tenho medo só de morrer, só mesmo. Ainda mais quando falam que o mundo tá acabando.

Tem hora que eu sou muito bom, muito bom pros outro, bom demais. Eles que monta em cima. Agora, eu sou bom pra quem é bom pra mim, pra quem é ruim pra mim eu sou ruim também.

Pô, eu tenho bastante mágoa. Bastante mágoa até. Essas mágoa não consigo... guardo pra mim, não consigo...

Se eu já se apaixonei?

Bom, eu já se apaixonei por uma garota, conhecia do colégio, quando eu estudava. A garota, tipo, nunca me dava bola, eu dando em cima dela, ela me esculachando. Chegou num tal dia que ela pegou e ficou comigo, aí nós foi ficando, foi ficando, aí ela se apaixonou por mim, eu se apaixonei por ela. Ficamo mó tempão.

Eu fiquei namorando com ela, aí deu uma confusão lá com a mãe, com a vó dela lá, que ela morava com a vó dela, né? Deu uma confusão lá, aí ela ficava mais tempo na minha casa. Depois que ela ficou morando lá, aí ela pediu desculpa e se entendeu com a vó dela. A vó dela botou ela pra dentro de casa de novo, e foi aí, tipo assim, que eu terminei com ela. Não, minto, nem fui eu que terminei com ela, ela que terminou comigo, causa que eu também fiquei com outra garota, ai ela terminou comigo.

Pô, senti meu coração machucado mesmo, fiquei no meu canto triste, fiquei pô... sei nem dizer agora. Eu tava apaixonado por ela. Ah, é difícil de falar.

Antigamente eu não gostava da minha vida não, tipo, de mim mesmo. Não gostava. Hoje em dia tô passando a gostar de mim também.

Eu não sei, falava: “pô, ninguém liga pra mim, ninguém olha pra mim”. Aí comecei a fazer essas coisa pra ver se alguém focasse mais em mim. Mas depois eu parei e pensei: “não preciso fazer isso pra ficarem prestando atenção em mim. Só olhando pra mim. Porque também se eu trabalhar, se eu trabalhar honestamente, com meu dinheiro, com meu suor, também neguinho vai passar, vai olhar pra mim tranquilo.” Só pensava que neguinho ficava olhando pros outro.

Tipo, as pessoa passa, olha, fala contigo, isso e aquilo, mas que eu nunca era povão, entendeu? Eu sempre fui mais na minha. Agora eu passo e penso assim: “pô, também eu era quieto demais”. Agora tenho que passar a falar “oi”, isso e aquilo outro. Falava com ninguém, aí pensava que tinham raiva de mim, porque não falavam comigo. Eu me sentia, tipo invisível, tipo isso daí mesmo. Pra mim, eu não tava querendo chamar a atenção..

Bom, o psicólogo daqui também fala comigo que eu vou ter que gostar mais de mim. Eu pensava que a minha mãe também me largou de vez, me largou de mão. Ele falou: “não, cara, tua mãe não te largou de mão, tua mãe não tá com condições de vir te ver”, isso e aquilo outro, “passa a gostar mais de tu”. No último dia agora, da visita, ela veio me visitar.

 

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