a.c.

Foi assim, eu era mais novinha, pensava só em igreja, mas, fazendo aquelas besteirinhas, né?

Comecei a andar com gente errada, comecei a fumar maconha, depois cigarro, depois se envolvi com mais pessoas errada. Minha mãe descobriu e me bateu, falou que essa vida não era pra mim. Eu discuti com a minha mãe, aí eu respondi ela que eu tava na maconha e ela me expulsou de casa. Aos 14 anos. Depois voltei, ela foi me procurar na casa da minha colega, aí eu fui e voltei, porque ela foi me procurar. 

Eu fui criada pela minha mãe, meu pai era usuário de crack, pó, tudo, todas as drogas. Ele se aproxima da gente, às vezes ele vai lá na porta, mas meu padrasto não gosta que ele vai lá, porque ele usa drogas. Ele mora com a minha vó, com a mãe dele. 

Fui até a segunda série, eu não consegui continuar porque eu engravidei com 15 anos e tive filho com 16. 

Ele tá com a avó. O pai dele tá preso por conta do tráfico. Mas eu não queria ter filho agora, mas aconteceu. Deus me deu, então eu agradeço muito por Deus ter me dado esse filho, porque ele é amado do mesmo jeito, mesmo eu não querendo ele, ele é amado do mesmo jeito. 

Meu filho tem um ano e três meses. Meu namorado tá lá fora me esperando, ele tem 17 anos também.

A vida da gente que mora em favela é horrível. A gente só aprende coisa ruim, a gente só vê coisa ruim; também vê gente apanhando, gente fumando, aí nós quer fumar também, aí nós vai lá, compra cigarro, fuma. Ah,  muita coisa de ruim.

Aqui é muito ruim, aqui não é lugar pra ninguém,

mas gente tá aqui pra cumprir nossa medida, a gente planta o que colhe. Ficar aqui dentro é muito ruim. Vou ficar seis meses.

Às vezes aqui tem basquete, às vezes roda de conversa, foi lá que me chamaram pra esse curso de fotografia.

Quando eu sair daqui, eu pretendo sair com um trabalho, pra sustentar o meu filho, alugar uma casa pra morar, eu, meu marido e meu filho e ter uma vida melhor do que essa.

Eu não sei ler. Mas aqui eu estou estudando e a professora está me ensinando, só que ela está de férias.

O meu sonho é ser bombeira.

Uma cena que me marcou muito foi de um dia eu tava na Penha vindo de BRT. A polícia tava fazendo blitz no BRT, botando todo mundo pra descer, mulher, homem, pra revistar. Aí um cara não queria descer, porque ele era trabalhador e tava atrasado pra chegar em casa; os policias foram e deram  um tiro de choque no peito dele, ele caiu no chão. Eu fiquei gravando. O cara falou “grava isso”, eu fiquei gravando. Aí o policial veio, me pegou pelo cabelo, me jogou no chão, me arrastou no chão, fiquei lá no chão. Ele disse “se eu quiser fazer o que quiser contigo eu posso. Eu boto tu dentro daquele carro ali, eu faço o que eu quiser contigo”. Falei assim: “por que, você vai me matar?”  “Eu faço o que eu quiser, te mato, te jogo no valão!” Ele falou. Aí veio outro policia e falou assim: “Você tem quantos anos?” Aí eu: “17”, e ele “não vale nem a pena matar”.

Aí eu falei com a minha mãe e com a minha tia, minha tia falou assim: “isso aí é Deus te dando mais uma chance, é um livramento de Deus”. Eu não acreditei, por isso que eu parei aqui, porque fiz merda de novo, ai parei aqui dentro.

Minha vida já foi muito ruim, e boa também.

Foi ruim deu ficar na rua de madrugada usando droga, mexendo com os outros. Agora eu penso pra mim mesmo, que eu não vou fazer mais isso, que eu vou entrar para igreja, na fé de Deus, se Deus quiser. Que eu, saída daqui com um trabalho, vou fazer muitas coisa, fazer um curso, vou aprender a ler, se Deus quiser vou fazer muitos cursos.

O que era bom? Bom era ficar com a minha família. Mas só que eu tinha algumas amizades que mora ali, elas falava “bora fumar, bora?” Aí eu deixava minha família lá e ia fumar. Tava numa situação melhor, eu ia fumar.

O que me faz feliz é a minha família.

Eu tenho a língua furada. Dói, dói mas só dói na hora. Essa tatuagem eu fiz com caneta. Cadê, tem uma caneta ai para eu te amostrar? Quebrei isso aqui da caneta, aí fui rasgando. Doeu, doeu mas valeu apena.

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